O Labirinto
Fotos: Steve Stoer Texto: Luís Gouveia Monteiro
Diapositivos 120mm, formato 6x7
As portas abrem às 6 e meia da manhã, antes disso já o Patrão lá está. Vai-se embora ao fim da tarde. À noite passa por lá o filho, para ver se está tudo a andar. A sala só fecha às três e meia da manhã. Está aberta aos sábados, domingos e feriados. Fecha mais cedo na noite de natal. De resto, os dias são todo iguais. O tempo quase não passou por aqui desde a abertura, no primeiro de Agosto de 1966.
Durante o dia e noite dentro a autoridade é exercida pelos directores. Sempre de pé e com um mover de olhos rápido, mas cauteloso. Um de manhã, três à noite, estão ali para garantir que o tempo não passa: que a comida chega a horas e que o serviço continua a ser igual ao do dia em que a portas abriram, 6 dias antes da inauguração da ponte 25 de Abril, então Salazar.
O tempo é a matéria-prima dos directores, é preciso “estar atento ao serviço, ver se alguma coisa se atrasa”, explica Fernando Guerreiro. “Temos olhos, mas não vemos. Temos ouvidos, mas não ouvimos”, diz Vítor Esteves. Os directores também têm boca, mas não a abrem para falar das vidas dos clientes: “Isto é um bairro, com 5 ruas, com muita gente, vê-se de tudo. Mas é como se não se tivesse visto nada.”
O grande salão, com o labirinto das 5 ruas, por onde os empregados transportam a comida, é um retrato da cidade. Não da cidade branca de que misteriosamente tanto falam, mas de Lisboa mesmo, uma cidade a sério onde há cavalheiros que trazem a amante ao almoço para voltar à noite com a mulher e os filhos. Nas noites de futebol há adeptos, nas de concertos, multidões. A comida não muda. A sala é grande, a vida da cidade sente-se. Todas as noites há famílias e divorciados, netos e avós, compostura e desmazelo. Há de tudo todas as noites.
Início de Outono. Chove, está um dia à Galeto. Primeiro foi a azáfama dos pequenos-almoços. Irene Pinheiro vem todos os dias, há onze anos, desde que se reformou. Sai de casa por volta das 10, vem da Estefânia a pé. Pede sempre a mesma coisa, um croissant simples, um galão e um café. Dantes ia ao Monte Carlo. “Aqui, no dia em que fizeram 40 anos, deram-me uma caneta. Gosto desta gente toda, já houve uma empregada que se casou e me convidou para a cerimónia. Não tenho filhos, os sobrinhos estão longe. Esta é a minha família.” Há espaço para muita gente nesta família. Até uma sala de jantar, mais íntima, no andar de baixo. Trabalham mais de 100 pessoas no Galeto.
O pico do movimento é a meia-noite. É a hora certa para um sítio que habita outro tempo, é a hora a que o tempo se suspende. Às oito da noite chega um pouco de calma, o melhor ainda está para vir. Começam a vir os primeiros para jantar, mas ainda estão à espera de alguém. É o ponto de encontro. O Benfica joga com Celtic, notam-se os Escoceses. Está muita gente no Doc Lisboa, também se nota quando acabam as sessões, mas é fim do mês e o que mais se nota é isso. Pelas onze da noite os directores queixam-se do pouco movimento: 50 pessoas que ajudam a compor a sala, mas deixam maior parte dos lugares vazios.
Aluga-se a vitrina. Há alguma coisa que muda. Desde quase sempre estiveram ali estacionados um serviço de louça do Benfica e um pequeno batalhão de soldadinhos verdes de plástico. À meia noite o movimento melhora um bocadinho, mas não muito. O tempo passa muito devagar, às vezes não passa. Porquê? Por causa dos directores. Os directores não deixam o tempo passar.

Ao centro, de pé, da direita para a esquerda:
Fernando Guerreiro, Pedro Lousada e Vítor Esteves - “Os Directores”
Se juntaremos o tempo que estes três homens já dedicaram ao Galeto a soma dá 77 anos, uma vida inteira, a esperança média de vida de um homem português. São caras conhecidas de muitos lisboetas, presença tutelar de uma das salas mais visitadas da capital, com capacidade para 256 pessoas. Quando se lhes pergunta o que fazem ali, qual é a sua missão, respondem igual: “Manter!”
Fernando Guerreiro, Pedro Lousada e Vítor Esteves - “Os Directores”
Se juntaremos o tempo que estes três homens já dedicaram ao Galeto a soma dá 77 anos, uma vida inteira, a esperança média de vida de um homem português. São caras conhecidas de muitos lisboetas, presença tutelar de uma das salas mais visitadas da capital, com capacidade para 256 pessoas. Quando se lhes pergunta o que fazem ali, qual é a sua missão, respondem igual: “Manter!”

Fernando Guerreiro, Director
Desde 1983
Passou 16 ano atrás deste balcão. A dedicação valeu-lhe, há sete anos, a promoção a director. “O nosso objectivo é manter, mas as coisas não estão fáceis, não há o respeito de antigamente”.
Desde 1983
Passou 16 ano atrás deste balcão. A dedicação valeu-lhe, há sete anos, a promoção a director. “O nosso objectivo é manter, mas as coisas não estão fáceis, não há o respeito de antigamente”.

Maria Alice, Copeira
Desde 1966
“É uma vida, estou aqui há uma vida.” A maior parte dela foi passada no bengaleiro, uma das poucas coisas que desapareceram desde a inauguração. Maria Alice veio para a abertura do Galeto e ficou até hoje,
Desde 1966
“É uma vida, estou aqui há uma vida.” A maior parte dela foi passada no bengaleiro, uma das poucas coisas que desapareceram desde a inauguração. Maria Alice veio para a abertura do Galeto e ficou até hoje,

João Zeferino, Chefe de Balcão
Desde 1996
É a segunda vez que está na casa, é um dos que voltaram. Diz que “este sítio é único. Depois é a localização e a qualidade do serviço. Tudo junto faz a diferença”.
Desde 1996
É a segunda vez que está na casa, é um dos que voltaram. Diz que “este sítio é único. Depois é a localização e a qualidade do serviço. Tudo junto faz a diferença”.

Manuel Palma, Empregado de Snack
Desde 1976
“Esta é uma das principais casas a nível nocturno, em Lisboa”, sentencia Manuel Palma. A afluência, garante, não cessa porque “os clientes vão trazendo outros clientes. O serviço é bom e é por isso que o Galeto é conhecido.
Desde 1976
“Esta é uma das principais casas a nível nocturno, em Lisboa”, sentencia Manuel Palma. A afluência, garante, não cessa porque “os clientes vão trazendo outros clientes. O serviço é bom e é por isso que o Galeto é conhecido.

Clovis Miqueis, Empregado de Snack
Desde 2000
“Mesmo no Brasil, há muita gente que conhece”, garante Clóvis, cidadão brasileiro, profissional da restauração, actualmente a residir em Portugal. Conheceu outras casas, a diferença, no Galeto, são “os sistemas”, que se mantêm quase inalterados desde a inauguração, em 1966.
Desde 2000
“Mesmo no Brasil, há muita gente que conhece”, garante Clóvis, cidadão brasileiro, profissional da restauração, actualmente a residir em Portugal. Conheceu outras casas, a diferença, no Galeto, são “os sistemas”, que se mantêm quase inalterados desde a inauguração, em 1966.

Vítor Esteves, Director
Desde 1982
“80 a 90 por cento dos sistemas de trabalho mantêm-se desde a inauguração”, explica o director, encarregue do controlo do serviço e da distribuição dos produtos alimentares. É um dos funcionários cuja função é garantir que o serviço de hoje seja rigorosamente igual ao de ontem. Palavra de quem passou mais de 40 anos atrás de um balcão e começa a contemplar a reforma que traz bem ganha.
Desde 1982
“80 a 90 por cento dos sistemas de trabalho mantêm-se desde a inauguração”, explica o director, encarregue do controlo do serviço e da distribuição dos produtos alimentares. É um dos funcionários cuja função é garantir que o serviço de hoje seja rigorosamente igual ao de ontem. Palavra de quem passou mais de 40 anos atrás de um balcão e começa a contemplar a reforma que traz bem ganha.

Joaquim Marques, Empregado de balcão de mesa fria e gelados
Desde 1978
“Quando aqui cheguei era um miúdo de 14 anos, ainda estive um ano fora, mas acabei por voltar”. Tal como Joaquim Marques, vários funcionários acabaram por regressar depois de breves passagens por outros estabelecimentos.
Desde 1978
“Quando aqui cheguei era um miúdo de 14 anos, ainda estive um ano fora, mas acabei por voltar”. Tal como Joaquim Marques, vários funcionários acabaram por regressar depois de breves passagens por outros estabelecimentos.


